Página Virada? Os efeitos do julgamento de Bolsonaro para a nossa história
Escrevo
atravessado por uma sensação dupla: de alívio e de inquietação. O julgamento de
Jair Bolsonaro, com suas consequências jurídicas e políticas, foi recebido por
muitos como um marco histórico. Mas me pergunto: será mesmo uma página virada?
Ou estamos diante de mais um capítulo mal costurado da crônica de impunidades
que molda a política brasileira desde a ditadura?
De um
lado, é inegável que o veredito representa um freio institucional. O
ex-presidente, que tantas vezes ameaçou as regras do jogo democrático, agora se
vê contido pelo próprio sistema que tentou corroer. Há nisso uma lição
importante: as instituições, por mais fragilizadas, ainda podem reagir. Para
quem esteve nas ruas em 2019, 2020, 2021, enfrentando o avanço do
autoritarismo, o julgamento é um respiro.
Mas não
consigo celebrar sem reservas. A história do Brasil é marcada por episódios em
que a punição dos poderosos foi mais simbólica do que efetiva. Lembro da Lei da
Anistia de 1979, que perdoou torturadores em nome da “reconciliação nacional”.
Penso na impunidade de escândalos de corrupção, que alimentaram a descrença
popular e abriram espaço para outsiders autoritários. A pergunta que me
persegue é: o julgamento de Bolsonaro vai inaugurar um novo padrão de
responsabilização ou será apenas um espetáculo que legitima a continuidade dos
mesmos arranjos?
Minha
esperança não está na sentença em si, mas no que ela pode significar como
pedagogia política. A democracia precisa mostrar que não é ingênua, que não é
terreno fértil para aventuras golpistas sem consequência. Só que esse
aprendizado não virá de cima. Ele precisa ser construído na prática cotidiana:
na mobilização popular, no fortalecimento da imprensa crítica, na educação
cidadã.
Bolsonaro
é personagem, mas não é a causa. Ele se alimentou de uma estrutura de
desigualdades, ressentimentos e ressentimentos cultivados por décadas. Se não
enfrentarmos isso, outros “Bolsonaros” brotarão com sotaques e disfarces
diferentes. A história não se fecha com um julgamento; ela se reabre, nos
convocando a decidir se queremos repetir ou transformar.
Para continuar pensando
- Heloisa Starling e Lilia
Schwarcz – Brasil:
uma biografia (para entender os ciclos de autoritarismo e democracia).
- Jessé Souza – A elite do atraso
(sobre as raízes sociais do bolsonarismo).
- Leonardo Avritzer – Impasses da democracia
no Brasil (sobre a fragilidade institucional).
- Angela Alonso – A política das ruas
(para pensar a força e o limite da mobilização social).
- Florestan Fernandes – A revolução burguesa
no Brasil (estrutura de poder e democracia incompleta).
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