A VITÓRIA DE MILEI E O ESPELHO QUE SE ABRE PARA NÓS
Quando
soube da vitória de Javier Milei nas eleições legislativas da Argentina, senti
um misto de perplexidade e reconhecimento. Perplexidade porque é sempre duro
assistir à ascensão de discursos radicais, carregados de ressentimento e de uma
promessa de ruptura que parece mais vingança do que construção. Reconhecimento
porque, ao olhar para a Argentina, vejo também reflexos do que vivemos no
Brasil e em outros países da América Latina: o esgotamento de modelos políticos
tradicionais, a frustração com promessas não cumpridas e o apelo cada vez maior
a líderes que se apresentam como “anti-sistema”.
Ao
acompanhar o discurso de Milei, não consigo deixar de pensar na sua força
performática. Ele se coloca como alguém que fala “sem filtro”, que diz o que
outros não ousam dizer. Isso seduz uma parte significativa da população que se
sente excluída, ignorada ou traída pelos partidos tradicionais. A vitória dele,
ao ocupar espaço legislativo, mostra que não se trata apenas de um gesto de
protesto, mas de uma aposta concreta em uma agenda de choque.
Do meu
ponto de vista, o mais inquietante não é apenas a radicalidade de suas
propostas econômicas ultraliberais, mas o modo como ele manipula afetos
coletivos: raiva contra a “casta política”, promessas de liberdade absoluta
como solução mágica para crises estruturais. Como se cortar o Estado ao osso
fosse resolver desigualdades históricas, como se privatizar tudo fosse sinônimo
de emancipação. Há, em seu discurso, um ressentimento transformado em programa
político — e isso tem poder.
Não falo
como observador distante. Sinto que a vitória de Milei expõe uma ferida aberta
em nossa região: a incapacidade de muitas forças progressistas de dialogar com
a angústia real das pessoas, com sua sensação de insegurança, desemprego, medo
do futuro. No vazio deixado, líderes como ele entram com respostas simplistas,
carregadas de ódio, mas com a promessa de clareza.
Ao mesmo
tempo, vejo nessa vitória um chamado. A democracia não está perdida, mas
precisa se reinventar. Não basta apenas criticar Milei e o que ele representa.
É necessário compreender por que tanta gente se sente representada nele. O
fenômeno não é apenas argentino — é latino-americano e até global.
Termino
esse artigo inquieto, mas também mobilizado. A vitória de Milei nas eleições
legislativas não é apenas um episódio argentino; é um espelho que nos obriga a
pensar sobre os rumos da política, sobre como reconectar esperança e
participação, sobre como construir alternativas que não deixem o campo livre
para os que transformam a raiva em plataforma.
Leituras complementares
- Ernesto Laclau – A razão
populista:
reflexão sobre a construção do discurso populista na América Latina.
- Eduardo Galeano – As
veias abertas da América Latina: para situar a crise histórica da região
diante de promessas neoliberais.
- José Luís Fiori – História,
estratégia e desenvolvimento: análise crítica do papel do Estado e das
crises econômicas.
- Chantal Mouffe – Por um
populismo de esquerda: contraponto à onda reacionária e tentativa
de reapropriação dos afetos políticos.
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