ENTRE A DEMOCRACIA E A OLIGARQUIA

 

Ler Para uma sociologia dos partidos políticos na democracia moderna, de Robert Michels, foi para mim uma experiência ambivalente: ao mesmo tempo um mergulho lúcido na realidade dos partidos e um soco no estômago diante daquilo que acreditava ser a promessa da democracia. Michels me mostrou, sem rodeios, que por trás do ideal de participação popular existe uma força quase inevitável: a tendência dos partidos a se burocratizarem e se tornarem oligárquicos.

Ao longo da leitura, percebi que o autor não está apenas descrevendo um detalhe da política, mas desmontando uma ilusão coletiva. O que Michels formula como a “lei de ferro da oligarquia” é algo que ecoa na minha própria vivência como cidadão: sempre que um grupo se organiza, seja um partido, sindicato ou associação, cedo ou tarde emerge uma liderança fixa, que concentra poder e tende a se distanciar da base. O ideal de participação direta vai se transformando em representação distante, às vezes autoritária, sustentada por regras internas, discursos técnicos e uma maquinaria administrativa que acaba por justificar a desigualdade de poder.

Ao ler, lembrei de tantas vezes em que me envolvi em reuniões de coletivos, associações ou partidos, cheio de entusiasmo democrático, e vi pouco a pouco aquele ímpeto inicial se perder. As falas mais ouvidas eram sempre das mesmas pessoas, os cargos acabavam ocupados de maneira quase permanente, e a crítica era vista como ameaça à “unidade”. Michels, ao estudar os partidos socialistas e trabalhistas no início do século XX, já denunciava essa tendência, mostrando que mesmo formações políticas nascidas da luta popular e operária não escapavam da lógica oligárquica.

O que mais me impressionou foi a atualidade de suas ideias. Em um mundo de redes sociais, de aparente horizontalidade, vemos repetir-se a concentração de poder em poucos “influenciadores” ou lideranças partidárias. A “lei de ferro” não se dissolveu com a tecnologia: ela apenas ganhou novas máscaras.

E, no entanto, Michels não é apenas um pessimista. Ao terminar o livro, percebi que sua intenção não é condenar a democracia como projeto, mas alertar para sua fragilidade. Se a tendência à oligarquia é inevitável, cabe a nós criar mecanismos permanentes de crítica, renovação e participação. A democracia, então, não é um estado conquistado de uma vez por todas, mas um esforço contínuo contra essa cristalização do poder.

 

Indicações de leitura complementar

  • Gaetano Mosca – A Classe Política: outro clássico da sociologia política que dialoga com Michels.
  • Vilfredo Pareto – Tratado de Sociologia Geral: leitura complementar sobre elites e poder.
  • Max Weber – Economia e Sociedade: importante para compreender a burocracia e seu impacto na política moderna.
  • Norberto Bobbio – O Futuro da Democracia: reflexão sobre os desafios e limites da democracia contemporânea.

 

Fechamento

Ao fechar o livro, fiquei com a sensação de que Michels me arrancou da ingenuidade. A política, mesmo em regimes democráticos, é atravessada por forças que tendem à concentração de poder. Reconhecer isso não é desistir da democracia, mas assumir que ela precisa ser sempre reinventada, vigiada, tensionada. O que aprendi com Michels é que a democracia não é um presente dado pela história, mas uma luta diária contra a lei de ferro da oligarquia.

 

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