O jogo que o Brasil está perdendo
Nos
últimos meses, tenho visto o avanço das apostas online — as famosas bets
— tomar o país como uma febre disfarçada de passatempo. Elas estão em todo
lugar: nas transmissões esportivas, nas redes sociais, nas falas dos
influenciadores, nas promessas de dinheiro rápido que piscam na tela de cada
jovem com um celular na mão. Mas o novo estudo “A saúde dos brasileiros em
jogo” escancara aquilo que muitos preferem ignorar: o Brasil está
adoecendo coletivamente sob o disfarce da diversão.
O
levantamento estima um custo social de R$ 38,8 bilhões causado pelas
apostas e jogos de azar — um valor que escapa de qualquer racionalidade
econômica. Esse número inclui o endividamento das famílias, o aumento
da depressão e do suicídio, a dependência de álcool, a perda de
moradia, o encarceramento e a exclusão social. Não são apenas
estatísticas — são vidas despedaçadas em nome de um mercado que lucra com a
vulnerabilidade e o desespero.
De acordo
com o estudo, 12,8 milhões de brasileiros já estão sob risco direto.
Somente os custos ligados a suicídios chegam a R$ 17 bilhões, e outros R$
10,4 bilhões decorrem da perda de qualidade de vida por depressão. Enquanto
isso, o Estado arrecadou apenas R$ 928 milhões com o setor — uma quantia
que mal cobre os gastos com os atendimentos psiquiátricos e emergenciais.
Em vez de
um avanço, o crescimento desse mercado é um retrocesso civilizatório.
Ele não gera emprego digno — apenas R$ 1 de salário formal para cada R$ 291
de receita — e mantém 84% dos trabalhadores na informalidade,
segundo o IBGE. É um modelo de negócio que explora o tempo, a emoção e o
desespero das pessoas.
Não é
exagero dizer que as bets se tornaram a nova droga de massa. A lógica é
a mesma do vício: promessa de prazer rápido, recompensa imediata e uma espiral
de perda e culpa.
O apostador não busca mais o jogo — busca o alívio da falta de perspectiva.
E isso diz muito sobre o Brasil: um país que, incapaz de oferecer oportunidades
reais, transforma o azar em esperança.
Quando
países como o Reino Unido criam impostos específicos para combater os danos
causados pelos jogos, o Brasil segue o caminho oposto: legaliza, arrecada
migalhas e lava as mãos.
A ausência de regulação eficaz e de políticas de prevenção faz com que o lucro
das empresas se sustente sobre o sofrimento coletivo — e ainda seja tratado
como símbolo de modernidade.
Não se
trata de moralismo, mas de ética pública e saúde mental.
O vício em jogos é reconhecido pela Organização Mundial da Saúde como um
transtorno, e deve ser enfrentado como tal.
Permitir que plataformas de aposta operem livremente, com publicidade
direcionada a jovens, é o mesmo que estimular uma epidemia emocional.
Por isso,
defendo que chegou a hora de o Brasil proibir as apostas online.
Nenhum ganho fiscal ou promessa de “entretenimento” justifica a devastação que
esse mercado provoca.
A proibição seria o primeiro passo para frear uma indústria que se alimenta
do desespero e abrir espaço para políticas de cuidado, lazer e convivência
mais humanas.
Não é
possível combater o vício oferecendo mais iscas.
O país precisa escolher entre o lucro imediato e o bem-estar coletivo.
E, sinceramente, se insistirmos nesse caminho, a única aposta que continuaremos
ganhando será a da nossa própria ruína.
O que o Brasil precisa fazer agora
- Proibir as apostas online e todas as formas de
publicidade e patrocínio associadas a elas.
- Criar taxas obrigatórias
de destinação social (como a Statutory Levy britânica) para
financiar programas de prevenção e tratamento de vício em jogos.
- Integrar a saúde mental ao
debate econômico,
reconhecendo o jogo como questão de saúde pública.
- Oferecer espaços de terapia
comunitária, grupos de apoio e Biodança, promovendo o autocuidado, o vínculo social e
a reconstrução da autoestima.
- Educar e informar, com campanhas permanentes
de conscientização sobre os riscos das apostas e o impacto emocional e
financeiro que elas causam.
- Fiscalizar plataformas
digitais e influenciadores, exigindo transparência, ética e
responsabilidade social.
Sugestões de leitura
- Natasha Dow Schüll – Addiction
by Design
(Sobre como os jogos eletrônicos são projetados para gerar dependência.) - Byung-Chul Han – Psicopolítica
(Reflexão sobre o controle emocional e o prazer como forma de dominação.) - Richard Sennett – A
corrosão do caráter
(Sobre a precarização do trabalho e o vazio de sentido na vida moderna.) - Vera Iaconelli – Mal-estar
contemporâneo
(Sobre o sofrimento psíquico diante do hiperconsumo e da falta de sentido.) - Tarcízio Silva – Racismo
algorítmico: inteligência artificial e discriminação nas redes digitais
(Para compreender os novos mecanismos de exclusão e manipulação digital.)
Comentários
Postar um comentário