O que aprendi com Winnicott: entre o brincar, o cuidado e o encontro
Ler Consultas
terapêuticas em psiquiatria infantil, de Donald Woods Winnicott, foi
como entrar numa sala de atendimento e ver a infância em seu estado mais vivo —
frágil, criativa e profundamente humana. Não se trata de um manual técnico ou
de um tratado psiquiátrico comum; é, antes, uma coleção de encontros. Encontros
entre uma criança e um adulto disposto a escutá-la não apenas com o ouvido, mas
com o coração.
Ao longo
das páginas, Winnicott nos convida a testemunhar algo raro: o instante em que
uma criança começa a confiar. Ele nos mostra que, muitas vezes, o processo
terapêutico acontece em minutos — não porque o sintoma desaparece, mas porque o
vínculo acontece. A criança passa a sentir-se real, compreendida, acolhida.
Essa é talvez a maior lição do livro: a cura, quando acontece, nasce do encontro
humano, e não de interpretações apressadas ou classificações diagnósticas.
Em cada
consulta, percebi como Winnicott via a criança não como um “paciente” ou “caso
clínico”, mas como alguém em busca de continuidade emocional. Ele escutava o
que se dizia e também o que se calava. Acreditava que o brincar era a linguagem
natural da infância e que, por meio dele, era possível reconstruir aquilo que a
vida — ou o ambiente — havia fragmentado.
Ao ler,
senti algo de profundamente ético no modo como Winnicott estava presente. Ele
não forçava, não explicava demais, não invadia. Criava um espaço potencial onde
o brincar se tornava um ato de existir. Em muitos relatos, bastava uma
brincadeira de desenho, um gesto de acolhimento, um olhar gentil, para que a
criança começasse a se reorganizar por dentro. Era ali, naquele espaço
intermediário entre o real e o imaginário, que o terapeuta e a criança se
encontravam como dois seres humanos.
Enquanto
lia, pensei também na forma como o mundo moderno tem tratado a infância:
diagnósticos rápidos, remédios precoces, pouca escuta e ainda menos tempo.
Winnicott, com sua calma britânica e seu olhar humano, parece nos dizer que cuidar
não é controlar, e que terapia é, antes de tudo, presença. Sua
prática nos lembra que o mais importante não é “curar o sintoma”, mas restaurar
a confiança — a confiança no outro e no próprio gesto de existir.
Há uma
ternura silenciosa em seu modo de pensar. Winnicott acreditava que o terapeuta
deveria sustentar o paciente como a mãe “suficientemente boa” sustenta o bebê:
nem ausente, nem invasiva. Essa metáfora me toca profundamente. Ela nos faz
perceber que a função terapêutica — e talvez a função humana — é oferecer um
ambiente confiável, um espaço onde o outro possa se arriscar a ser quem é.
Depois de
terminar o livro, fiquei com a sensação de que Winnicott não falava apenas de
crianças, mas de todos nós. Cada adulto, em algum nível, carrega uma criança
que ainda espera ser vista, compreendida, acolhida. E talvez seja essa a beleza
de Consultas terapêuticas em psiquiatria infantil: lembrar-nos de que,
no fundo, a saúde nasce do encontro, e o brincar é a forma mais
autêntica de dizer “eu existo”.
Sugestões de leitura
- D. W. Winnicott – O
brincar e a realidade
(Complementa as ideias sobre o espaço transicional e o brincar como caminho para o ser.) - Melanie Klein – O
desenvolvimento precoce da criança
(Perspectiva que dialoga e contrasta com a visão winnicottiana da infância.) - Donald Meltzer – A vida e
a morte na psicanálise da criança
(Aborda a dimensão simbólica e afetiva da criança em análise.) - Philippe Ariès – História
social da criança e da família
(Contextualiza historicamente a infância e suas transformações culturais.) - Clarice Lispector – A
descoberta do mundo
(Um contraponto poético: a infância como território de espanto e descoberta.)
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