Os algoritmos que nos julgam: reflexões sobre o livro Algoritmos de Destruição em Massa, de Cathy O’Neil
Ler Algoritmos
de Destruição em Massa, de Cathy O’Neil, foi como olhar no espelho e
perceber que, enquanto acreditávamos viver na era da razão matemática e da
neutralidade digital, estávamos, na verdade, sendo governados por uma nova
forma de poder — silenciosa, invisível e profundamente injusta.
A autora,
que é matemática e trabalhou em grandes corporações financeiras, revela algo
perturbador: os algoritmos, esses conjuntos de regras que hoje tomam
decisões sobre nossas vidas, não são neutros. São espelhos dos preconceitos
humanos, amplificados por sistemas automatizados e sustentados por
interesses econômicos.
Ao longo
do livro, O’Neil mostra como esses “algoritmos de destruição em massa” estão em
todos os lugares — nos processos de seleção de emprego, na concessão de
crédito, nas universidades, nas seguradoras e até no sistema prisional. Eles
decidem quem merece uma oportunidade e quem será descartado, baseando-se em
dados históricos contaminados por desigualdades sociais, raciais e econômicas.
O que me
inquietou mais foi perceber que esses algoritmos reforçam o passado em
vez de construir o futuro. Se um bairro pobre é considerado “de risco”, os
moradores terão menos acesso a crédito; se um aluno vem de uma escola pública,
o sistema pode deduzir que ele é “menos promissor”; se alguém tem antecedentes
criminais, mesmo que pequenos, a inteligência artificial o condenará novamente
— não pelo que ele faz, mas por quem ele é.
Cathy
O’Neil usa um termo poderoso: “arma de destruição matemática”. São
algoritmos opacos, implacáveis e amplamente utilizados, que destroem vidas em
massa sem que ninguém perceba — e, pior, com a aparência de objetividade.
O dado que deveria libertar acaba por aprisionar.
O cálculo que deveria organizar o mundo acaba por desumanizá-lo.
Lendo o
livro, pensei muito no Brasil.
Como esses mecanismos já operam aqui, silenciosamente, quando empresas usam modelos
preditivos para definir quem é “bom cliente”, escolas privadas
selecionam alunos por desempenho digital, e polícias empregam softwares
de reconhecimento facial que erram mais com pessoas negras.
A desigualdade brasileira, combinada à automação sem transparência, é um
terreno fértil para injustiças algorítmicas.
O’Neil
nos convida a romper com a ingenuidade tecnológica. Ela mostra que, por trás da
promessa da eficiência, existe uma ideologia de controle.
O poder dos algoritmos está em decidir sem prestar contas — e esse poder, como
ela insiste, precisa ser vigiado, auditado e regulado.
Enquanto
lia, percebi que a luta pela democracia digital é, hoje, tão importante quanto
a luta por direitos civis no século XX.
Precisamos exigir transparência nos algoritmos públicos e privados, avaliação
ética das tecnologias, e educação digital crítica, para que as
pessoas compreendam como estão sendo classificadas, ranqueadas, vigiadas e
moldadas.
O livro
me deixou com a sensação de urgência.
Não podemos mais aceitar a desculpa da neutralidade matemática.
Os algoritmos carregam escolhas — e toda escolha é política.
Como
Cathy O’Neil diz:
“Os
algoritmos não tornam o mundo mais justo; eles apenas automatizam as injustiças
que já existem.”
E talvez
o primeiro passo para resistir a isso seja recuperar aquilo que nenhum cálculo
pode prever: a nossa capacidade de indignação, empatia e transformação.
Sugestões de leitura complementar
- Shoshana Zuboff – A Era
do Capitalismo de Vigilância
(Sobre como as big techs transformam dados pessoais em poder econômico e político.) - Virginia Eubanks – Automating
Inequality
(Análise sobre como algoritmos reforçam a pobreza e o racismo nos EUA.) - Safiya Noble – Algorithms
of Oppression
(Sobre como mecanismos de busca reproduzem preconceitos raciais e de gênero.) - Evgeny Morozov – Big
Tech: A ascensão dos dados e a morte da política
(Uma crítica à ideologia da tecnologia como solução para todos os problemas.) - Tarcízio Silva – Racismo
algorítmico: inteligência artificial e discriminação nas redes digitais
(Reflexão brasileira sobre desigualdade e poder no ambiente digital.)
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