Os avós se movem mais que os netos: um espelho do nosso tempo
Ler o
estudo Check-up de Bem-Estar 2025, da Vidalink, me causou um desconforto
curioso. Descobrir que os homens com mais de 60 anos se exercitam mais do
que os jovens de 18 a 28 é algo que, à primeira vista, soa contraintuitivo.
Sempre associei juventude a vitalidade, energia, movimento — mas parece que, na
prática, é a velhice que tem se mostrado mais viva.
Os dados
revelam uma inversão simbólica: os avós estão cuidando mais da mente e do
corpo do que os netos.
Segundo a pesquisa, 46% dos idosos praticam atividade física como forma
de cuidado integral, inclusive mental. Já entre os jovens homens da Geração
Z, esse índice cai para 34%, e entre as mulheres, despenca para 26%.
O estudo
aponta as razões: esgotamento emocional, ansiedade, hiperconexão digital e
falta de tempo.
Os jovens de hoje vivem sobrecarregados — trabalham, estudam, produzem
conteúdo, estão sempre “on”, sem fronteiras claras entre vida e obrigação. O
corpo já não é refúgio, mas extensão da fadiga.
Enquanto isso, muitos idosos, paradoxalmente, encontraram no movimento um modo
de resistir à solidão e ao sedentarismo.
Parece
que enquanto os avós se movem para viver, os netos se imobilizam para
suportar.
É um retrato triste de um país que romantiza o desempenho e desvaloriza o
descanso, que incentiva o “dar conta” como virtude e trata o cuidado de si como
luxo.
Um corpo cansado não é preguiçoso — é sintoma
social
O
esgotamento da juventude é mais do que um problema individual: é um sintoma
coletivo de uma sociedade extenuada.
A geração Z não está “desinteressada” do próprio corpo; está exausta
antes de poder se interessar.
O culto ao trabalho, a pressão por produtividade e o excesso de estímulos
digitais criam uma mente permanentemente em alerta — e um corpo que desaprende
a descansar.
Enquanto
os idosos aprenderam a caminhar nas praças, os jovens caminham em círculos
dentro da própria ansiedade.
O resultado é um país onde a saúde mental colapsa, e o tempo de viver
desaparece no meio das notificações e das metas inatingíveis.
O que o Estado pode e deve fazer
Mudar
esse quadro exige políticas públicas ousadas, que reconheçam o tempo
livre, o lazer e o autocuidado como direitos sociais — não como privilégios.
O que o Brasil precisa, de fato, é dar tempo ao corpo e à mente para que
ambos possam se reconectar.
Sugestões
e propostas concretas:
- Redução da jornada de
trabalho de 6x1 para 4x3, permitindo que as pessoas tenham mais tempo
para cuidar da saúde física e mental, conviver e descansar. O descanso é
parte da produtividade, não seu oposto.
- Oferta de práticas de
acolhimento e psicoterapia pelo SUS, ampliando o acesso à saúde mental e
prevenindo o adoecimento emocional.
- Criação de Centros de
Atividade e Saúde Comunitária, integrando ginástica, dança, Biodança,
terapia comunitária e práticas artísticas, abertas a todas as faixas
etárias.
- Campanhas nacionais contra o
sedentarismo digital, incentivando pausas ativas, esportes
coletivos e o uso cultural dos espaços públicos.
- Programas de bem-estar nas
empresas,
adaptados por faixa etária, que valorizem pausas, movimento e saúde
mental.
- Educação emocional nas
escolas,
ensinando desde cedo o equilíbrio entre corpo, mente e tecnologia.
- Incentivo a políticas de
mobilidade ativa,
com calçadas seguras, ciclovias e parques acessíveis, para que o exercício
seja parte natural da rotina.
A geração
dos avós talvez tenha descoberto algo que esquecemos: o corpo é a casa da alma.
Enquanto corremos atrás do tempo, eles caminham dentro dele — com mais
serenidade e presença.
Se quisermos reverter esse quadro, teremos de fazer o mais difícil: reaprender
a viver com menos pressa e mais corpo.
Reduzir jornadas, ampliar o cuidado e devolver às pessoas o tempo de respirar é
também uma forma de reconstruir a saúde de um país inteiro.
Talvez o
segredo da longevidade esteja menos nas academias e mais na capacidade de
reconectar corpo, afeto e tempo — algo que nossos avós, com sua sabedoria
silenciosa, parecem entender melhor que nós.
Sugestões de leitura
- Byung-Chul Han – Sociedade
do cansaço
(Sobre a exaustão emocional provocada pela cultura do desempenho.) - Carl Rogers – Tornar-se
pessoa
(Sobre o valor do autoconhecimento e do cuidado genuíno.) - Rolando Toro – A Biodança
e o Princípio Biocêntrico
(O movimento como caminho de reintegração entre corpo e afeto.) - Vera Iaconelli – Mal-estar
contemporâneo
(Reflexão sobre o adoecimento emocional na cultura da produtividade.) - Richard Sennett – A
corrosão do caráter
(Sobre a perda de sentido e o impacto do trabalho fragmentado na vida moderna.)
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