Entre sombras e alvoradas: Raara Rodrigues canta Nana Caymmi no CCBNB
Hoje, entre o peso do mundo e a leveza que a arte nos empresta de vez em
quando, encontrei abrigo na voz de Raara Rodrigues, que subiu ao palco do
Centro Cultural Banco do Nordeste para homenagear Nana Caymmi dentro do projeto
Jazz em Cena. E ali, diante de um
público silenciado pelo encantamento, Raara não apenas cantou Nana — ela atravessou sua sombra, colheu seus silêncios,
soprou nova alma no que já era eterno.
Desde os primeiros acordes, percebi que não
estava diante de uma intérprete comum. Havia em Raara um respeito reverente pela densidade de Nana, mas também
uma ousadia cuidadosa em reinventá-la com o próprio corpo e a própria memória.
A cada nota, ela parecia costurar a música com fios de vivência — suas pausas
eram tão eloquentes quanto seus agudos, seus olhares diziam o que os arranjos
apenas sugeriam.
“O que é que a baiana tem?” perguntou o piano,
e a resposta veio no timbre cheio de história, de dor e de desejo. Quando Raara
cantou “Resposta ao tempo”, vi pessoas segurando o choro. Eu também. É que
Nana, com suas letras suspensas entre o desalento e o amor maduro, já é por si
só uma travessia. E Raara, com sua juventude comprometida com a sensibilidade,
soube nos guiar nessa travessia sem pressa — como quem entende que a beleza também mora na tristeza bem
cantada.
O Projeto Jazz em Cena mais uma vez cumpre sua
promessa: criar encontros. Mas hoje, mais do que jazz ou bossa, mais do que
homenagens ou repertórios bem escolhidos, o que vivemos foi um encontro com a força feminina da música
brasileira, na voz de uma artista que entende que homenagear não é
imitar — é escutar fundo, devolver com
entrega.
Raara Rodrigues não apenas cantou Nana Caymmi.
Ela criou pontes entre gerações,
entre saudade e presença, entre a tradição e o gesto novo de quem canta com o
corpo inteiro.
Saí do teatro com a alma lavada, lembrando que
ainda é possível, no meio do caos cotidiano, parar e ouvir alguém que nos lembra do valor do silêncio, da
poesia, do amor que não se grita.
Hoje, Nana sorriu em algum lugar do tempo. E
Raara fez com que todos nós escutássemos esse sorriso.
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