Entre o asfalto e o mangue: a dor de ver a Sabiaguaba ameaçada
Cruzar a CE-010 — essa rodovia
que liga Fortaleza ao Eusébio — me deixa com um nó na garganta. Não por ser uma
via perigosa, embora o seja em muitos trechos. Mas por algo mais profundo, mais
silencioso, mais perverso: a constatação de que estamos destruindo o que nos resta de sagrado em nome de um
progresso que não respeita nem o tempo, nem a vida.
Falo da Sabiaguaba,
esse santuário ecológico à beira do urbano, onde ainda sobrevivem manguezais,
dunas, rios, mata atlântica e espécies que só existem ali. Falo do que já foi um
território de pesca artesanal, de benzedeiras, de redes estendidas ao sol, de
silêncio vivo — e que hoje se vê encurralado por condomínios de luxo, espigões
à beira-rio, e carros que aceleram sobre a terra sem culpa, porque ali foi
colocada uma estrada que parece não ter parado para perguntar “quem vive aqui?”.
A CE-010
nunca foi apenas uma estrada. É um marco
da violência territorial camuflada sob o discurso da mobilidade.
Quando ela foi aberta, muito se prometeu: desenvolvimento, acesso, integração.
Mas o que chegou antes foi o cimento,
o imobiliário predador e o
barulho. O que se perdeu foi o pulso
lento da natureza, o modo de vida de comunidades tradicionais, o
equilíbrio de um ecossistema que agora resiste em agonia.
É impossível passar por ali sem ver os terrenos cercados, as placas de
“vende-se”, os empreendimentos que não cabem no espírito do lugar. E mais
impossível ainda é não se revoltar com o fato de que tudo isso acontece à revelia de qualquer projeto sério de
sustentabilidade ou escuta das populações locais.
Dói ver que o discurso da modernização não considera a memória, nem a
ecologia, nem a justiça ambiental. Dói ver que o que poderia ser um
corredor ecológico — com ciclovias, passagens para animais silvestres, áreas de
proteção real — virou um corredor de
especulação e esquecimento.
E dói mais ainda saber que há quem comemore
essa “evolução”, sem entender que a
cidade que se expande sobre a destruição, uma hora, colhe sua própria asfixia.
Não sou contra estradas. Mas sou contra estradas que atropelam tudo o que é vivo.
Sou contra um modelo de cidade que expulsa, que corrói, que lucra com a morte
dos lugares.
A Sabiaguaba
não é só uma área verde: ela é um arquivo vivo de saberes, é refúgio
de biodiversidade, é o que nos resta da Fortaleza que ainda respira.
Ainda há tempo de resistir. De dizer não a
mais um condomínio em área de preservação, de exigir políticas públicas que
respeitem os biomas, de ouvir quem cuida da terra com os pés descalços.
Mas essa luta não é só da Sabiaguaba. É da
nossa consciência coletiva.
Porque um dia, se não mudarmos, vamos olhar
para trás e perceber que, no fim das contas, não foi o progresso que passou por cima da natureza. Fomos nós.
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