O Nordeste como campo de luta simbólica

 

Do ponto de vista sociológico e antropológico, o Nordeste é território de disputas de significados. É onde a cultura popular resiste à mercantilização. Onde o catolicismo se mistura ao candomblé, onde o forró, o repente, o cordel e o maracatu continuam pulsando, apesar da invisibilização midiática.

É também espaço onde as desigualdades se territorializam: as periferias de Salvador, Fortaleza e Recife são marcadas por violências estruturais que não se explicam apenas pela “pobreza”, mas sim por um projeto histórico de exclusão racial, de gênero e de classe.

E é por isso que o Nordeste também é lugar de invenção política: do MST, das ocupações urbanas, das comunidades quilombolas, dos povos indígenas que seguem resistindo. É aqui que a arte vira denúncia. Que a fé vira luta. Que a memória vira farol.

Entre o preconceito e a potência

Quantas vezes ouvi alguém dizer que nordestino “fala errado”, “é preguiçoso”, “só vota mal”?
Quantas vezes precisei explicar que não somos um bloco homogêneo, que há Nordeste litoral, agreste, sertanejo, cosmopolita, ancestral? Que há nordestinos brancos, indígenas, negros, mestiços — e que a diversidade aqui é a regra, não a exceção?

O preconceito contra o Nordeste é estruturante no Brasil. Ele se manifesta no riso fácil, no sotaque ridicularizado, na ausência de representatividade real. Mas também se manifesta nas políticas públicas: na distribuição de recursos, nos investimentos, na falta de respeito à autonomia regional.

Ainda assim, resistimos. E mais: criamos. O Nordeste é berço de escritores como Graciliano Ramos, Rachel de Queiroz, João Cabral, de músicos como Luiz Gonzaga, Chico Science, Elba Ramalho, de cineastas, artistas plásticos, intelectuais e mestres populares que mantêm a chama acesa.

Conclusão: o Nordeste como futuro

Escrevo este texto para dizer que o Nordeste não é só passado — é potência de futuro. Mas esse futuro precisa ser construído com dignidade, com investimento, com escuta. Precisamos deixar de ser “tema” e sermos protagonistas da nossa própria história.

É hora de rever currículos escolares, narrativas acadêmicas, decisões políticas. É hora de decolonizar o olhar sobre o Nordeste. De permitir que esse território fale em sua pluralidade e força.

Porque, do lugar de onde falo, eu vejo dor, mas também vejo beleza. Vejo violência, mas também vejo cura.
E sobretudo, vejo um povo que, apesar de tudo, ainda dança, canta, planta, reza e sonha.

E isso, por si só, já é revolução.

 

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