Na trilha do mestre, no compasso da memória: João Suassuna e Pedro Salustiano no CCBNB Fortaleza

 

Hoje, no aconchego do auditório do CCBNB Fortaleza, assisti a um espetáculo que foi mais do que música. Foi uma travessia emocional, um gesto de amor à cultura popular brasileira. Na Trilha do Mestre, com João Suassuna e Pedro Salustiano, me tocou profundamente — talvez porque, mais do que sons e palavras, o que se compartilhou ali foi vida, afeto e legado.

João Suassuna, historiador e bacharel em Direito se apresentou como neto, como testemunha sensível da trajetória de seu avô, Ariano Suassuna, um dos maiores nomes da cultura brasileira. E foi com o coração aberto que compartilhou não apenas lembranças, mas vivências íntimas, gestos cotidianos, conversas, silêncios — pedaços de uma convivência real, afetuosa, profundamente formativa.

 

A música como ponte entre gerações

Ao lado de Pedro Salustiano, também herdeiro de um mestre — o saudoso Mestre Salustiano, guardião das tradições do maracatu e do cavalo-marinho — João transformou o palco em território de memória viva. Não uma memória saudosista ou engessada, mas uma memória que se reinventa em cada palavra dita entre uma música e vídeo

João falou de Ariano com a ternura de quem não cultua um mito, mas celebra a inteireza de um homem que acreditava na beleza como resistência. E é impossível não reconhecer a grandeza de Ariano Suassuna — o criador do Movimento Armorial, o defensor incansável das raízes populares brasileiras, o escritor-poeta que se recusava a aceitar uma cultura submissa aos padrões estrangeiros.

Mas ouvir isso da boca do neto, que esteve ao lado dele nas refeições, nos ensaios, nas conversas à mesa — é outro nível de encontro. João não apenas nos contou sobre Ariano: ele nos aproximou de Ariano como alguém de carne e osso, que educava com firmeza, ria com generosidade e ensinava com paixão.

 

Legado não se herda: se constrói

    Pedro, com sua presença vibrante e  luminosa, trouxe a musicalidade nordestina para o palco, e ali, os sons se uniram:  o lirismo armorial se misturando ao batuque do maracatu e do frevo. Era o Brasil profundo em cena — não o Brasil do noticiário ou dos clichês turísticos, mas o Brasil das histórias contadas à sombra da varanda, dos repentes, das romarias, das rebeldias do povo

 

A apresentação foi, para mim, um lembrete precioso: não basta ter sangue de mestre — é preciso merecê-lo. E João Suassuna e Pedro Salustiano estão trilhando esse caminho com dignidade, respeito e autonomia. Não imitam — criam. Não reproduzem — reinventam.

 

Ariano vive onde há beleza

Saí do CCBNB com o peito cheio de coisa boa. Uma sensação rara de que ainda é possível celebrar nossas raízes sem cair no lugar comum. Que é possível falar de avôs e ancestrais com lágrimas nos olhos e sorriso no rosto. Que é possível fazer música como quem escreve uma carta de amor ao Brasil.

Ariano Suassuna sempre disse que “a arte precisa ser bela e profunda como um rio.”
Hoje, ouvindo João e Pedro, eu entendi esse rio: ele não para, não seca, segue seu curso entre os corações que ainda acreditam que a cultura pode ser uma forma de amar — e de resistir.

 

 

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