Entre Ecos e Espelhos: O Que Perlaborei com Lizana Dallazen Uma resenha crítica e afetiva sobre “A perlaboração da contratransferência”
Confesso
que abri o livro de Lizana Dallazen — A perlaboração da contratransferência
— com uma expectativa tímida e uma inquietação conhecida: a de entrar em
território onde o sujeito clínico não é apenas o paciente, mas, sobretudo, o
analista. E ali, nas primeiras páginas, percebi que não estava diante de mais
um texto técnico sobre contratransferência, mas de uma escrita que atravessa,
expõe e interpela.
A autora
mergulha no conceito de perlaboração, que em Freud aparecia como Durcharbeitung
— o trabalhar através, o metabolizar psíquico — e propõe, com coragem teórica e
sensibilidade clínica, estendê-lo à contratransferência. O que significa isso?
Que não basta reconhecer o que sentimos enquanto escutamos o outro — é
preciso elaborar o que o outro desperta em nós, continuamente.
Uma escrita que sustenta o
desconforto
O que me
provocou foi a maneira como Lizana sustenta a ideia de que a
contratransferência não é apenas um "efeito colateral", mas uma ferramenta,
uma via de acesso ao inconsciente do outro, se — e somente se — for perlaborada.
Ela nos
convida a aceitar que não há neutralidade ingênua. E mais: que o
inconsciente do analista também entra em cena, ecoa, resiste, repete. Somos
atravessados. E é nesse atravessamento que reside a potência — ou o risco — do
encontro clínico.
Li o
livro como quem escuta um colega mais experiente abrir suas próprias fissuras
para que possamos pensar juntos. Lizana escreve com o corpo na letra, com a
clínica pulsando atrás de cada parágrafo. Não há didatismo frio: há escuta,
implicação e — ouso dizer — coragem política.
Uma ética da presença
Fiquei
especialmente tocado pelo modo como a autora articula perlaboração com ética.
Ao nomear a contratransferência como um lugar de responsabilidade, ela nos
afasta tanto da idealização do analista quanto do seu apagamento. O analista
não é neutro. Mas precisa ser responsável por suas reverberações internas.
A
clínica, nesse sentido, se torna mais humana — e mais exigente. Porque não se
trata de evitar a contratransferência, mas de trabalhá-la em
profundidade, escutá-la como um texto do inconsciente, que nos pede não só
compreensão, mas transformação.
Algumas lacunas e ecos possíveis
Se
tivesse algo a apontar criticamente, talvez seja a ausência de um maior diálogo
com autores da psicologia social e da psicanálise fora do eixo tradicional.
Fiquei curioso para saber como Lizana cruzaria suas ideias com pensadoras como Jessica
Benjamin, Suely Rolnik ou até mesmo Frantz Fanon, pensando a perlaboração
em contextos marcados por raça, classe e gênero.
Ainda
assim, seu texto é suficientemente poroso para que esses diálogos sejam
possíveis, e talvez essa seja uma das maiores qualidades do livro: ele não
se fecha sobre si. Ele respira.
Conclusão: o analista como campo
vibrátil
Fechei o
livro com uma pergunta que ecoou por dias: o que ainda não perlaborei em
mim, como analista e como pessoa?
E entendi que a leitura de Dallazen não termina com a última página. Ela
continua nos atravessando nas escutas, nas pausas, nos silêncios compartilhados
com aqueles que nos procuram.
Lizana
Dallazen nos oferece uma obra necessária — não como um manual, mas como um
espelho inquieto.
E talvez, para quem se arrisca na escuta analítica, não haja maior ato de
generosidade.
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