Produtividade e a Impossibilidade de Parar (Um ensaio crítico entre a Psicologia e a Sociologia)

 

Não sei exatamente quando começamos a sentir culpa por descansar, mas ela já não me parece uma exceção — parece regra. Tirar um dia de folga  parece transgressão. Silenciar notificações, um luxo. Dormir à tarde, um crime.
Vivemos em um tempo em que parar virou sinônimo de fraqueza, descansar é visto como improdutivo, e ralar até o limite se tornou um elogio disfarçado de estilo de vida.

A questão é que não estamos sós nisso. Estamos todos inseridos numa lógica que fetichiza o trabalho e sequestra nosso tempo com a promessa de sucesso. Como alguém que tenta viver e refletir esse tempo, me pergunto: quando foi que trabalhar virou a única forma de existir socialmente?

A produtividade como moral

A sociedade atual — como já apontavam sociólogos como Max Weber e Richard Sennett — fundou sua moral sobre a produtividade.
Não basta trabalhar: é preciso produzir, crescer, entregar mais rápido.
O tempo do trabalho invade o tempo da vida. As pausas viram procrastinação. As férias são vistas com desconfiança. A ideia de “ser alguém na vida” se resume à quantidade de coisas que você consegue fazer sem desmoronar.

Essa lógica penetrou não apenas nas empresas, mas também na subjetividade. A Psicologia do trabalho contemporânea, principalmente nas abordagens críticas e psicossociais, tem apontado como o sujeito passa a se autopoliciar, se autocobrar e se autoexplorar.

Foucault teria muito a dizer sobre isso: hoje, o trabalhador é também seu próprio vigilante. A produtividade virou um ideal de si. E qualquer desvio — uma tristeza, uma pausa, uma dúvida — parece falha pessoal, não questão social.

 

A armadilha neoliberal: ser dono de si (e do próprio esgotamento)

O discurso neoliberal nos vende a ideia de que somos “empreendedores de nós mesmos”. Isso parece libertador. Mas esconde uma armadilha: se tudo depende de você, então o fracasso também é só seu.
Assim, muitos adoecem, mas silenciam. Sentem cansaço, mas continuam. Tomam remédios para dormir e acordar, mas mantêm o LinkedIn atualizado.

A Psicologia clínica, especialmente sob a ótica do sofrimento ético-político, tem recebido pessoas que não aguentam mais performar normalidade. E muitas vezes essas pessoas se sentem culpadas não por estarem sofrendo, mas por não estarem rendendo como antes.

É o triunfo de uma cultura onde o valor humano é medido por entregas, e não por vínculos, pausas, sensibilidade.

 

A impossibilidade de parar e o culto à exaustão

O mais cruel disso tudo é que, mesmo cansados, não conseguimos parar.
É como se estivéssemos presos a uma esteira infinita — se desaceleramos, caímos para trás. Isso não é por acaso: somos moldados desde cedo para achar que trabalho é sinônimo de virtude, e que o ócio é perigoso.
Como se o descanso só fosse aceitável quando viesse depois de muito sofrimento.

O sociólogo Byung-Chul Han, em A Sociedade do Cansaço, já nos alertava que vivemos num tempo em que o excesso de positividade e autoexigência levou o sujeito ao esgotamento psíquico.
Burnout não é exceção — é sintoma do nosso modo de viver.

E se parar fosse um ato político?

O que mais me inquieta é pensar que talvez a cura não esteja em melhorar nossa produtividade — mas em questionar a centralidade do trabalho na nossa existência.

A Sociologia crítica nos convida a imaginar um outro mundo: um onde o valor das pessoas não dependa do cargo que ocupam, nem da meta que atingem.
A Psicologia, por sua vez, pode ajudar a reconstruir a relação do sujeito com o tempo, com o corpo, com o descanso.

Parar, nesse contexto, não é fraqueza. É resistência.
É recusar a lógica da máquina.
É afirmar que somos mais do que produção.
É reivindicar a vida como um fim em si mesma, e não como um projeto de eficiência.

Conclusão: o direito ao descanso

Escrevo este artigo também para mim. Para lembrar que o corpo não é uma ferramenta, que o silêncio não é perda de tempo, que a pausa é uma forma de cuidado.
Se há algo que precisamos recuperar com urgência é o direito ao descanso pleno — sem culpa.
Um descanso que reconcilie o sujeito com sua humanidade, que celebre o tempo não como escassez, mas como possibilidade.

Enquanto isso não for possível, que ao menos continuemos fazendo da crítica um respiro.
E do pensamento, uma forma de parar — mesmo que por um instante.

 

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