Vozes que incomodam: por que defendo o Plebiscito Popular

 

Não é de hoje que ouço críticas — muitas vezes raivosas — sobre a proposta de um Plebiscito Popular no Brasil. Quando os movimentos sociais se organizam para consultar o povo diretamente, há sempre uma reação automática que questiona sua validade, sua “imparcialidade”, sua “legalidade”. Mas o que está por trás dessas reações é, na verdade, um medo profundo: o medo da participação popular real.

Falo aqui como alguém que acredita na democracia, não como um sistema de representação fria e distante, mas como um campo de disputa viva, onde o povo tem o direito — e o dever — de intervir nos rumos do país.

Quando vejo movimentos como o MST, as Frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo, sindicatos, coletivos estudantis e organizações periféricas defendendo o plebiscito, vejo uma tentativa legítima de romper com a lógica elitista do poder político que, mesmo depois da redemocratização, continua excluindo milhões da tomada de decisão.

O que é, afinal, um plebiscito popular?

Não se trata de um instrumento oficial promovido pelo Estado. Trata-se de uma consulta organizada pela sociedade civil, que, mesmo sem força legal imediata, tem um enorme peso simbólico e político. Foi assim, por exemplo, com o Plebiscito Popular sobre a ALCA em 2002, quando quase 10 milhões de brasileiros disseram "não" à Área de Livre Comércio das Américas.

Hoje, a ideia ressurge com força para tratar de temas como:

  • A revogação das privatizações de setores estratégicos;
  • A taxação de grandes fortunas;
  • A reforma tributária justa;
  • A revogação da Reforma Trabalhista;
  • Fim da escala 6 x 1
  • E até o fim do orçamento secreto e da impunidade parlamentar.

Por que isso incomoda tanto?

O incômodo de ouvir o povo

O Plebiscito Popular parte do princípio de que a política não deve ser monopólio de Brasília. Isso por si só já desafia a lógica autoritária da política brasileira — uma política que, apesar do verniz democrático, ainda funciona como negócio de poucos.

Como sociólogo e cidadão, não posso ignorar que o sistema político no Brasil foi moldado para afastar o povo, e não para ouvi-lo. A representatividade é sequestrada por lobbies, corporações, igrejas, grupos econômicos. E quando a população tenta falar por si, é acusada de ser “manipulada”, “radical”, “iletrada”.

A crítica ao Plebiscito Popular não é técnica. É de classe. É o incômodo dos que se beneficiam de um sistema desigual sendo confrontados pela possibilidade de que os invisíveis falem.

Democracia viva é democracia participativa

Plebiscitos populares não são panaceias. Não substituem a institucionalidade, nem resolvem tudo. Mas são ferramentas pedagógicas e políticas de enorme poder. Ajudam a formar consciência coletiva, a articular territórios, a dar rosto e voz ao que normalmente é silenciado.

Quando os movimentos sociais defendem um plebiscito, não estão “brincando de eleição”. Estão dizendo: “nós também pensamos, também decidimos, também temos projeto de país.

E mais: estão assumindo uma ética da escuta e do encontro, indo para praças, feiras, escolas, assentamentos, quebradas, para ouvir — algo que o sistema eleitoral raramente faz fora do horário político.

Conclusão: entre o medo e a esperança

Sei que há quem veja o Plebiscito Popular como “utopia ingênua”. Mas talvez a ingenuidade maior seja achar que a democracia sobrevive sem o povo.

Vivemos uma crise global da representatividade. Os partidos tradicionais, em sua maioria, estão capturados por interesses econômicos. E o avanço da extrema direita mostra como o vazio deixado pela política institucional pode ser ocupado por projetos autoritários.

Defender o plebiscito popular, hoje, é defender a radicalização democrática. É acreditar que um outro Brasil é possível — mas só se construído com o povo, pelo povo, e não apenas em seu nome.

E se isso incomoda, é porque talvez esteja mesmo na direção certa.

 

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