A democracia anestesiada: Centrão, lulismo e o pragmatismo eleitoral até 2030
Li hoje no Jornal O POVO o artigo
de Márcio Coimbra sobre o papel do Centrão na engrenagem de poder em Brasília e
sua paradoxal aliança com Lula rumo a 2026. O texto escancara uma realidade que
me incomoda profundamente: a normalização da política como um grande balcão de
negócios, em que a distribuição de benesses se confunde com projeto de governo,
e o pragmatismo vira sinônimo de sobrevivência.
Sinto que o Centrão, esse bloco amorfo e
adaptável, já não é apenas um “aliado de ocasião”. Ele é o próprio eixo sobre o
qual a política nacional gira — seja para a direita, seja para a esquerda.
Quando leio que reformas fiscais, taxações e mudanças estruturais foram
aprovadas com o apoio desse grupo, vejo menos um avanço democrático e mais um
pacto silencioso em torno da preservação do poder. Um pacto que não se move por
convicções, mas por conveniências.
Não me iludo: programas como Gás do Povo, Pé-de-Meia e a isenção
do Imposto de Renda têm impacto concreto na vida de milhões de
brasileiros. Sei que uma família que recebe um botijão gratuito ou um jovem que
guarda dinheiro para estudar sentem imediatamente o alívio que a política
pública traz. Mas também não posso ignorar a cronologia calculada, o “timing”
eleitoral, a lógica de que cada benefício precisa coincidir com a construção de
uma narrativa de bem-estar que sustente a vitória nas urnas. Isso não é novo,
mas continua sendo um jogo perigoso: quando a política vira espetáculo de curto
prazo, a sustentabilidade do futuro fica em segundo plano.
O que mais me chama atenção é a armadilha para
a oposição. O governador Tarcísio de Freitas aparece como “plano B” da direita,
mas se vê diante de um dilema quase insolúvel: como enfrentar um presidente que
governa com a caneta e com uma máquina de R$ 252 bilhões em mãos? A política,
nesse tabuleiro, deixa de ser disputa de projetos para virar competição de quem
consegue manejar mais recursos e distribuir mais favores.
Fico com a sensação de que caminhamos para uma
democracia anestesiada, em que a população é convocada não a pensar um projeto
de país, mas a aplaudir os bônus fiscais e sociais que chegam em ano eleitoral.
Não me basta que o Brasil siga “pintado de vermelho até 2030” se isso significar
apenas a perpetuação de uma lógica de dependência entre Planalto e Centrão. O
que está em jogo não é só quem vence em 2026, mas se conseguiremos, algum dia,
construir uma política que escape do pragmatismo cínico e da economia
eleitoralizada.
No fundo, a crítica de Coimbra ecoa em mim
como um alerta: ou encontramos novos caminhos de articulação política, que não
passem pela chantagem do Centrão e pelo marketing eleitoral travestido de
política social, ou estaremos condenados a repetir essa coreografia até o
esgotamento das instituições.
Indicações de leitura em ciência política e economia política brasileira
·
Marcos Nobre
– Imobilismo em Movimento:
leitura essencial para entender como o “pemedebismo” (que hoje se desdobra no
Centrão) estruturou a política brasileira desde a redemocratização, criando a
lógica de acordos permanentes e ausência de rupturas.
·
Jessé Souza
– A Elite do Atraso: uma
crítica contundente à maneira como as elites econômicas brasileiras se
perpetuam no poder, dialogando diretamente com o tema das alianças entre
Executivo e Centrão.
·
Octavio
Amorim Neto – Presidencialismo e
Governabilidade nas Américas: um estudo comparado que mostra como o
presidencialismo de coalizão no Brasil se tornou refém de blocos parlamentares
pragmáticos.
·
Luiz Werneck
Vianna – A Revolução Passiva:
Iberismo e Americanismo no Brasil: ajuda a compreender o padrão de
modernização conservadora que marca a política brasileira, em que mudanças
acontecem sem alterar a estrutura de poder.
·
Maria
Hermínia Tavares de Almeida – artigos sobre partidos e democracia no Brasil:
análises rigorosas da fragilidade partidária e da força dos arranjos
pragmáticos no Congresso.
·
André
Singer – Os Sentidos do Lulismo:
leitura indispensável para compreender a base social que sustenta Lula e como
políticas sociais podem ser usadas ao mesmo tempo para inclusão e para
consolidação eleitoral.
·
Leonardo
Avritzer – Impasses da Democracia
no Brasil: uma reflexão crítica sobre os limites institucionais do
sistema político brasileiro e as dificuldades de se romper com o ciclo do
pragmatismo.
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