CAMINHAR COMO PENSAMENTO VIVO

Ler Caminhar, uma filosofia, de Frédéric Gros, foi como desacelerar um pouco o ritmo acelerado do meu próprio cotidiano. Não é um manual de caminhadas, tampouco um guia de trilhas. É, antes, uma meditação sobre o que significa caminhar como ato existencial, como gesto que rompe com a pressa do mundo moderno e abre espaço para pensar, sentir e simplesmente ser.

Enquanto lia, me vi lembrando das minhas próprias caminhadas: os trajetos curtos pelas ruas da cidade, os passeios sem destino fixo, as caminhadas mais longas que fiz em busca de silêncio. Gros mostra que caminhar não é apenas deslocar-se de um ponto a outro, mas um ato que nos liberta das lógicas da produtividade e da eficiência. No caminhar, não há “ganho de tempo” — há, ao contrário, um perder-se nele.

O autor convoca figuras como Nietzsche, Rousseau, Thoreau, Kant e outros pensadores que fizeram da caminhada uma prática filosófica. E, ao ler sobre eles, percebi como o caminhar pode ser entendido como uma forma de resistência. Resistência à aceleração, resistência ao consumo, resistência à própria lógica da vida urbana que nos obriga a estar sempre ocupados. É como se Gros dissesse: caminhar é lembrar que o corpo pensa, que o pensamento precisa do corpo para se mover.

Na minha própria experiência, percebo isso quando caminho sem fones de ouvido, sem pressa, apenas ouvindo meus passos e o barulho do vento ou da cidade. Nesses momentos, o pensamento se torna mais leve, mais solto, menos linear. Gros chama atenção para esse “tempo outro” da caminhada — um tempo que não é cronológico, mas existencial.

O que mais me tocou foi a simplicidade radical do argumento: para pensar profundamente, basta caminhar. Parece pouco, mas é revolucionário. Porque, no fundo, significa recusar a lógica de que precisamos sempre de dispositivos, de técnicas, de metodologias sofisticadas para refletir. A caminhada devolve o pensamento à sua dimensão mais simples e mais livre.

Ao terminar o livro, senti um convite que não era apenas teórico, mas prático. Fechei as páginas com a vontade de calçar os sapatos e sair andando, sem destino, apenas para experimentar o que Gros descreve: a filosofia que nasce dos pés, a sabedoria que vem do ritmo lento, a liberdade que só se encontra no corpo em movimento.

 

Leituras complementares

  • Henry David Thoreau – Caminhando: ensaio clássico sobre a caminhada como ato de liberdade e contato com a natureza.
  • Nietzsche – Assim falou Zaratustra: muitas das ideias foram concebidas em longas caminhadas.
  • Rebecca Solnit – A história do caminhar: explora a caminhada como prática cultural e política ao longo da história.
  • David Le Breton – Elogio da caminhada: reflexão antropológica sobre a experiência de andar

Fechamento

Frédéric Gros me fez perceber que caminhar é, talvez, um dos gestos mais filosóficos que ainda podemos praticar num mundo em que tudo é capturado pela velocidade. É uma forma de reconquistar a presença, de relembrar que o pensamento precisa de tempo, de espaço e de silêncio. Caminhar é, enfim, um ato político e existencial.

 

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