ENTRE FASCÍNIO E DESIGUALDADE
Ler
Ladislau Dowbor sempre me coloca diante de um dilema íntimo: o da esperança
diante das novas possibilidades e o da inquietação frente às desigualdades que
se aprofundam. Com Os Desafios da Revolução Digital, não foi diferente.
Ao longo das páginas, senti como se ele abrisse uma lente crítica sobre algo
que, no cotidiano, muitas vezes naturalizamos — o mundo digital que nos envolve
em cada gesto.
O que
mais me chamou atenção foi a forma como Dowbor traduz a complexidade da
revolução tecnológica em linguagem acessível, mas sem perder densidade. Ele
mostra como as tecnologias digitais — big data, inteligência artificial,
plataformas digitais — não são apenas ferramentas neutras. Elas estão inseridas
em uma lógica de poder, de concentração de riqueza e de captura da
subjetividade. Não é apenas o mercado que muda; é o próprio tecido da vida
social.
Enquanto
lia, pensava em meu próprio cotidiano: meu celular que sabe onde estive, os
anúncios que parecem adivinhar meus desejos, os aplicativos que tornam meu
trabalho mais ágil mas, ao mesmo tempo, me deixam sempre disponível, nunca
desconectado. A sensação é paradoxal: liberdade e prisão, autonomia e
vigilância, ao mesmo tempo.
Dowbor
insiste que o problema não está na tecnologia em si, mas em como ela é
apropriada. Hoje, o controle está nas mãos de poucas empresas globais, que
concentram dados e impõem padrões de consumo e comportamento. Isso amplia
desigualdades, especialmente em países como o Brasil, onde milhões ainda vivem
sem acesso adequado à internet, ao mesmo tempo em que outros estão
hiperconectados e explorados pelo trabalho digital precário.
Ao mesmo
tempo, percebi em sua escrita uma esperança realista: a de que a revolução
digital pode ser apropriada de maneira diferente, a serviço do bem comum.
Cooperativas digitais, plataformas comunitárias, tecnologias abertas, regulação
democrática dos dados — todas essas possibilidades são apresentadas não como
utopias distantes, mas como caminhos possíveis, se houver vontade política e
organização social.
Terminei
a leitura com a sensação de que a pergunta central não é “se” a revolução
digital acontecerá — ela já está aqui —, mas como nós a governaremos. Se
deixarmos a lógica privada ditar as regras, aprofundaremos exclusão, alienação
e manipulação. Se, ao contrário, conseguirmos resgatar o princípio de que a
tecnologia deve servir à vida, poderemos transformar a revolução digital em
revolução social.
Leituras complementares
- Shoshana Zuboff – A era
do capitalismo de vigilância: para compreender como os dados pessoais se
transformaram em mercadoria.
- Evgeny Morozov – Big
Tech: A Ascensão dos Dados e a Morte da Política: crítica ao poder político
das plataformas.
- Pierre Lévy – Cibercultura: reflexão sobre as
potencialidades culturais da digitalização.
- Byung-Chul Han – No
Enxame:
análise filosófica da comunicação digital e do comportamento em rede.
Fechamento
Ao fechar
o livro, percebi que eu mesmo vivo o dilema que Dowbor denuncia: fascinado
pelas facilidades digitais, mas inquieto com os custos humanos e sociais que
elas impõem. O desafio que ele coloca diante de nós não é técnico, mas
político: quem controla o digital, controla o mundo. A revolução já está
em curso; o que precisamos decidir é se ela será apenas a consolidação do poder
das grandes corporações ou uma chance histórica de reinventar a democracia, a
economia e a vida coletiva.
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