O CAFÉ ESQUECIDO

 

Acordei atrasado. O relógio piscava 7h48 e o celular vibrava sobre a mesa com notificações que eu não queria ler. Vesti a primeira roupa que encontrei, calça amarrotada, camiseta de banda já quase sem estampa. Desci as escadas com a pressa de quem está sempre devendo tempo.

Na padaria da esquina, o cheiro de pão quente me envolveu como um convite à calma. Pedi um café e um pão na chapa. O balcão de mármore estava frio sob minhas mãos. Ao meu lado, um senhor folheava o jornal com a lentidão de quem ignora os ponteiros.

Meu café chegou. Preto, forte, soltando fumaça. Peguei o pão, mastiguei devagar. Pela vidraça, vi a rua ainda acordando: crianças com mochilas grandes demais, um cachorro farejando o poste, a dona do armarinho abrindo a porta de ferro.

Por alguns minutos, não existia mais nada além daquele café. Não existia a pressa, nem os prazos, nem as mensagens esperando resposta. Só eu, o calor da xícara, o barulho suave da manteiga estalando no pão.

Terminei, deixei as moedas no balcão e saí. Caminhei até o ponto de ônibus. Foi quando percebi: na correria, tinha esquecido de olhar a cara do balconista, de agradecer com um sorriso. Um detalhe banal, mas fiquei pensando: talvez seja nesses pequenos esquecimentos que a vida escorrega.

O ônibus chegou. Entrei. A cidade seguiu. E eu, ainda com gosto de café na boca, prometi a mim mesmo prestar mais atenção nos detalhes. O ônibus estava cheio, mas consegui um espaço perto da janela. A cidade passava em fragmentos: muros pichados, vendedores abrindo as barracas, buzinas impacientes. Eu ainda pensava no esquecimento — aquele gesto simples de não olhar para o balconista, de não agradecer.

Foi então que, no vidro embaçado pela respiração dos passageiros, vi o reflexo de um rosto conhecido. Demorei alguns segundos para reconhecer: era o mesmo senhor do jornal na padaria, agora sentado algumas fileiras à frente. Ele fechava os olhos como quem cochila, o jornal dobrado no colo.

De repente, uma curva brusca fez o jornal escorregar, cair ao chão e se abrir no corredor. Ninguém se moveu. Os olhos do homem se abriram devagar, e ele ficou tentando alcançar as páginas com a mão trêmula. Eu me levantei, peguei o jornal e entreguei. Dessa vez, olhei bem dentro dos olhos dele.

— Obrigado, rapaz — disse, com uma voz rouca. — Ninguém costuma notar.

O ônibus seguiu. Fiquei de pé, segurando na barra de ferro, mas alguma coisa dentro de mim mudou de lugar. Não era sobre o jornal, nem sobre o café. Era sobre o ato de ver. O homem me devolveu um sorriso cansado, e naquele instante compreendi: talvez eu não tivesse esquecido só o balconista. Talvez eu tivesse esquecido do mundo inteiro que insiste em existir nos detalhes.

Quando desci no meu ponto, a pressa já não tinha o mesmo peso. O ar parecia outro. Decidi que, na volta, passaria novamente na padaria. Não apenas para tomar café, mas para olhar nos olhos de quem o servia.

Um gesto pequeno, mínimo. Mas senti, pela primeira vez em muito tempo, que podia ser um começo.

 

 

Parte inferior do formulário

 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Na trilha do mestre, no compasso da memória: João Suassuna e Pedro Salustiano no CCBNB Fortaleza

Capiba, a música que pulsa em nossa memória

Fabíola Liper canta Ângela Rô Rô: quando a voz vira testemunho do indizível