PENSAR O BRASIL COM OS PRÓPRIOS PÉS

 

Ler o primeiro volume de Consciência e Realidade Nacional, de Álvaro Vieira Pinto, foi, para mim, uma espécie de reencontro com uma pergunta antiga: o que significa pensar o Brasil a partir de nós mesmos? Não da Europa, nem dos Estados Unidos, nem das abstrações universalistas, mas do chão real, histórico e contraditório do país. A leitura não é leve — é um mergulho filosófico, denso, mas profundamente necessário.

Desde as primeiras páginas, senti que Vieira Pinto não queria apenas elaborar uma teoria; ele queria convocar. Sua escrita carrega um tom de urgência, um desejo de que o pensamento brasileiro se reconheça como sujeito de sua própria história. Ele fala de “consciência nacional” não como um slogan patriótico, mas como um processo existencial e coletivo: a passagem da alienação à lucidez, do ser pensado ao ser que pensa.

O que mais me marcou foi sua insistência em afirmar que a consciência do povo é um campo de luta. Ele nos mostra que o subdesenvolvimento não é apenas econômico, mas também mental e simbólico. Um país dominado por ideias importadas, por elites que reproduzem modelos estrangeiros sem mediação, permanece preso à dependência. E é nesse ponto que a filosofia de Vieira Pinto me tocou mais profundamente: pensar o Brasil é um ato de libertação.

Enquanto lia, não consegui evitar o paralelo com o presente. Vejo ainda hoje a dificuldade que temos de nos enxergar sem o espelho do outro. Seguimos importando teorias, padrões de consumo, estilos de vida — e chamamos isso de progresso. Vieira Pinto já alertava, décadas atrás, que a verdadeira emancipação começa quando um povo se reconhece como produtor de sentido, não apenas como consumidor de ideias.

Há algo de profundamente pedagógico em sua proposta. Ele entende a filosofia não como exercício abstrato, mas como ferramenta política, instrumento de tomada de consciência. O filósofo, para ele, deve descer à realidade, misturar-se ao povo, compreender a linguagem e os gestos cotidianos — porque é aí, nesse solo vivo, que nasce a verdadeira inteligência nacional.

Ao terminar o volume, fiquei com a sensação de que Vieira Pinto fala menos de um Brasil do passado e mais de um Brasil possível. Seu chamado à autonomia do pensamento é também um convite à ação. Ele me fez perceber que o trabalho filosófico é inseparável do trabalho político, e que pensar criticamente o país é, em si, uma forma de resistência.

 

Leituras complementares

  • Paulo Freire – Pedagogia do oprimido: diálogo direto com a noção de consciência libertadora.
  • Darcy Ribeiro – O povo brasileiro: análise antropológica e histórica da formação nacional, em sintonia com Vieira Pinto.
  • Celso Furtado – Formação econômica do Brasil: perspectiva econômica sobre a dependência e o subdesenvolvimento.
  • Milton Santos – Por uma outra globalização: reflexão sobre a periferia do capitalismo e a construção de uma racionalidade própria.

 

Fechamento

Ler Álvaro Vieira Pinto foi, para mim, um ato de descolonização interior. Ele me fez ver que pensar o Brasil não é apenas um dever intelectual, mas um gesto ético. Consciência e Realidade Nacional é um livro que exige do leitor não só leitura, mas postura: olhar para o país sem as lentes do outro, reconhecer nossas contradições e, ainda assim, afirmar a possibilidade de uma consciência autônoma, crítica e criadora.

Talvez esse seja o maior legado de Vieira Pinto: lembrar-nos de que a filosofia, quando nasce de um povo que se pensa a si mesmo, deixa de ser teoria — e se transforma em liberdade.

Ao mergulhar no Volume II de Consciência e Realidade Nacional, de Álvaro Vieira Pinto, percebi que o autor leva adiante o projeto iniciado no primeiro volume — mas agora com uma profundidade ainda maior. Se no primeiro tomo ele nos convida a tomar consciência de nós mesmos enquanto povo, neste segundo ele mostra as estruturas de alienação que impedem essa consciência de se tornar soberania concreta.

A leitura me atravessou porque, mais do que um diagnóstico teórico, Vieira Pinto oferece um espelho político e existencial do Brasil. Ele desnuda o modo como a alienação nacional se infiltra nas formas de pensar, de trabalhar, de produzir ciência e de usar a técnica. Ao ler, senti que ele estava falando diretamente conosco, com a geração que vive cercada de tecnologia, mas continua dependente de decisões e saberes vindos de fora.

 

A alienação como forma de dependência mental

Vieira Pinto define a alienação nacional como a situação em que um povo perde a capacidade de se ver como sujeito de sua própria história. Não se trata apenas de dominação econômica, mas de colonização do imaginário. O país colonizado, diz ele, adota os valores, as teorias e os critérios do colonizador como se fossem universais — e, com isso, deixa de pensar a si mesmo.

Ao ler isso, pensei em quantas vezes nossa produção intelectual e científica busca legitimidade apenas quando se alinha ao que vem de fora. Vieira Pinto vê aí o cerne do subdesenvolvimento: uma mentalidade de empréstimo, que transforma a imitação em método e a submissão em costume. Essa alienação não é apenas erro teórico — é um projeto político de dominação.

 

Técnica e ciência como campos de libertação

O que mais me impressionou no segundo volume é a virada que ele propõe: a técnica e a ciência, vistas muitas vezes como instrumentos da dependência, podem se tornar ferramentas de libertação se forem apropriadas criticamente. Vieira Pinto insiste que a técnica é humana antes de ser industrial — é expressão da capacidade criadora do povo.

Ele denuncia a crença de que a ciência pertence apenas às nações ricas, mostrando que essa ideia perpetua a inferiorização cultural. Para ele, o verdadeiro avanço científico só acontece quando a pesquisa se volta para as necessidades concretas do povo, e não quando se limita a copiar modelos estrangeiros.

Ao refletir sobre isso, lembrei da situação atual do Brasil: uma potência em biodiversidade e criatividade, mas ainda com ciência subfinanciada e tecnologia dependente. A alienação científica que Vieira Pinto descreve continua viva — traduzida, hoje, na dependência tecnológica e no domínio das grandes corporações sobre os dados, a comunicação e o conhecimento.

Mas há também um horizonte de esperança em suas palavras. Ele acredita que o povo brasileiro, ao se tornar consciente de suas condições, pode transformar a técnica em instrumento de emancipação, fazendo dela uma extensão da sua soberania — uma “técnica humanizada”, nascida da experiência coletiva e voltada para o desenvolvimento nacional.

 

A soberania como consciência encarnada

Vieira Pinto não fala de soberania apenas como independência política, mas como maturidade espiritual de um povo. Um país soberano é aquele que se pensa a si mesmo, produz suas próprias ferramentas, domina suas tecnologias e cria suas próprias teorias.

Ao terminar o livro, senti que o autor me oferecia não uma lição, mas uma convocação. Ele exige de nós um pensamento que una filosofia, ciência e política — um pensamento situado, comprometido, enraizado na realidade nacional. Senti também que sua voz dialoga com o Brasil atual, em meio à disputa por soberania tecnológica, por ciência pública, por políticas que devolvam à sociedade o controle do conhecimento.

 

Leituras complementares

  • Milton Santos – A natureza do espaço: sobre o uso político da técnica e da globalização.
  • José Leite Lopes – Ciência e Desenvolvimento: reflexão sobre o papel da ciência nacional.
  • Celso Furtado – Criatividade e dependência na civilização industrial: relação entre inovação, cultura e autonomia econômica.
  • José Luís Fiori – Soberania e o novo imperialismo mundial: análise contemporânea da dependência e da disputa global por conhecimento e poder.

 

Fechamento

O segundo volume de Consciência e Realidade Nacional me deixou com uma certeza: pensar o Brasil é também disputar o sentido da técnica e da ciência. Vieira Pinto me fez compreender que a luta pela soberania não se trava apenas nas fronteiras geopolíticas, mas dentro das universidades, das escolas, dos laboratórios, dos centros de pesquisa — e também dentro de cada um de nós, na forma como escolhemos pensar o mundo.

A alienação, afinal, é o esquecimento de que podemos criar. A consciência nacional, por sua vez, é o ato de recuperar essa potência. E foi isso que senti ao fechar o livro: que pensar com as próprias ferramentas é o gesto mais revolucionário que um povo pode fazer.

 

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