RESGATAR A FUNÇÃO SOCIAL DA ECONOMIA: MINHA LEITURA DE LADISLAU DOWBOR

 

Ler Ladislau Dowbor é sempre um exercício de deslocamento: ele nos obriga a tirar os olhos da superfície imediata da economia — gráficos, índices, promessas de crescimento — e mergulhar naquilo que de fato deveria nos interessar: a vida das pessoas. Quando peguei em mãos Resgatar a função social da economia, não senti que estava diante de um livro técnico, mas diante de um chamado. Um chamado para pensar o lugar da economia não como um fim em si mesma, mas como instrumento a serviço da coletividade.

Ao longo das páginas, encontrei argumentos claros e contundentes: a economia, sequestrada pelos interesses financeiros, deixou de servir à sociedade. O resultado é o que vemos no Brasil e no mundo: concentração absurda de renda, precarização do trabalho, destruição ambiental e uma política capturada por elites que confundem seus lucros privados com “interesse nacional”. Dowbor mostra como essa lógica estreita nos adoece, nos empobrece e, sobretudo, nos rouba o futuro.

Fiquei especialmente tocado pela forma como ele articula teoria e prática. Não é apenas uma crítica ao neoliberalismo, mas um convite a repensar a economia a partir daquilo que já existe de solidário, comunitário, sustentável. Experiências de cooperativas, de economia criativa, de uso consciente da tecnologia, tudo isso aparece como sementes de uma outra forma de organizar a vida social. Ao ler, pensei em minha própria cidade, nos coletivos culturais, nas iniciativas de economia solidária, nas hortas comunitárias que conheço: todas essas práticas ganham outro sentido quando vistas à luz da proposta de “resgatar a função social da economia”.

O que mais me marcou, contudo, foi o tom ético do livro. Dowbor insiste em lembrar que a economia não é neutra: ou ela serve à dignidade humana, ou serve à concentração de poder. Não há meio-termo. E é nesse ponto que sua reflexão ressoa em mim como uma espécie de urgência. Quantas vezes aceitamos discursos sobre “eficiência” e “competitividade” sem perguntar: eficiência para quem? Competitividade para quê?

Ler Dowbor me fez olhar para meu cotidiano com mais atenção. Quando compro algo de uma pequena produtora local, estou, de algum modo, tensionando essa lógica excludente. Quando participo de uma roda de conversa sobre cooperativismo, percebo que não se trata de utopia distante, mas de uma reorganização possível, concreta, enraizada na vida real.

 

Leituras Complementares

  • Celso Furtado – Formação Econômica do Brasil: para entender como chegamos ao modelo concentrador atual.
  • Ignacy Sachs – Caminhos para o desenvolvimento sustentável: sobre alternativas para uma economia que não destrua o planeta.
  • Amartya Sen – Desenvolvimento como Liberdade: que reforça a ideia de que a economia só faz sentido quando amplia as liberdades humanas.
  • José Luís Fiori – O Poder Global e a Nova Geopolítica das Nações: para situar a discussão de Dowbor no cenário internacional.

 

Fechamento

Ao terminar o livro, senti que Dowbor não propõe apenas uma análise, mas uma responsabilidade. Resgatar a função social da economia é, em última instância, resgatar nossa própria humanidade. É lembrar que números não comem, que gráficos não respiram, que o PIB não sente frio. Quem sente somos nós. E a economia deve existir para garantir que a vida floresça, não para servir ao deus abstrato do capital.

 

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