“Kátia Freitas: 30 anos de K, e a eternidade em sua voz”

 

Hoje, no Centro Cultural Banco do Nordeste, Fortaleza respirou música, memória e emoção.
Assisti à apresentação da cantora Kátia Freitas, uma das vozes mais expressivas e poéticas da cena cearense, comemorando os 30 anos do álbum K — um marco da música nordestina contemporânea — e apresentando também canções inéditas, como quem revisita o passado sem se prender a ele.

Sentei-me entre o público e senti um arrepio logo nos primeiros acordes.
Aquele mesmo K que, nos anos 1990, revelava uma artista ousada, misturando poesia e experimentação sonora, agora voltava à cena com a serenidade de quem resistiu e amadureceu sem perder o risco.
Era como se o tempo se dobrasse sobre o palco — a juventude de ontem e a sabedoria de hoje se encontrando num mesmo canto.

 

1. A mulher e a voz

Kátia Freitas é dessas intérpretes raras que não cantam apenas notas — cantam estados de alma.
Cada gesto, cada pausa, cada respiração parecia conter uma história.
Quando ela abriu o show com “K”, faixa que dá nome ao álbum, senti uma força que não é apenas musical, mas existencial.
Há em sua voz uma textura que transita entre o sagrado e o terreno, o regional e o universal.

E ao vê-la ali, no palco do CCBNB, lembrei-me de quantas vezes artistas como ela mantiveram viva a cultura cearense mesmo sem o grande aparato midiático, confiando apenas na arte como ofício e resistência.
Kátia é uma dessas guardiãs da canção: generosa, intensa, inquieta.

 

2. Entre o ontem e o agora

Celebrar 30 anos de um álbum não é apenas revisitar canções — é revisitar uma vida.
E o show foi, de fato, um diálogo entre a Kátia do passado e a Kátia do presente.
O arranjo mais acústico deu novo corpo a canções como “Luz do Mundo” e “Doce Voo”, agora vestidas com o timbre da maturidade e a delicadeza da reinvenção.
E, entre as músicas novas, despontavam letras que falavam de tempo, travessia e renascimento — como se ela dissesse, entre versos: “a arte não envelhece, ela muda de pele.”

Os novos temas trazem uma sonoridade contemporânea, flertando com o jazz, com o experimental e com o canto popular.
Mas, no fundo, o espírito é o mesmo: uma mulher que canta o invisível.

 

3. A cena e o sentido

Enquanto eu ouvia, pensava no quanto Fortaleza precisa se reconhecer em artistas como ela.
Num tempo em que a cultura local luta para sobreviver aos cortes, às dispersões e à pressa digital, um show como esse é um lembrete de que a arte é o que nos ancora.
Kátia Freitas não apenas canta — ela costura o tecido simbólico de uma cidade, reconecta-nos à nossa memória afetiva e nos ensina que beleza também é forma de resistência.

O CCBNB, iluminado e cheio, parecia uma cápsula de sentido em meio à cidade ruidosa.
Ali, por algumas horas, o tempo parou — e o Ceará pulsou em forma de canção.

 

4. O legado e o futuro

Ao final, senti uma emoção difícil de traduzir.
Kátia Freitas é parte da história viva da música brasileira, mas é também um espelho de nós: da mulher que enfrenta o silêncio, da artista que não se curva ao mercado, da nordestina que transforma chão em poesia.
Celebrar 30 anos de K é celebrar a persistência da arte autoral, a coragem de ser quem se é, e o poder da música de nos reconciliar com o que somos.

Enquanto ela agradecia, pensei que há algo profundamente político em sua trajetória: a fidelidade à própria voz.
Num mundo saturado de imitações, Kátia permanece singular — e necessária.

 

5. Uma lição do palco

Saí do CCBNB com uma sensação de gratidão.
Não apenas por ter ouvido canções belas, mas por ter presenciado um encontro com a autenticidade.
Em tempos de algoritmos e superficialidade, ver Kátia Freitas celebrar 30 anos de um álbum tão ousado e ainda se abrir a composições novas é uma lição sobre a força da continuidade — sobre o poder de seguir criando, reinventando, vivendo.

O show terminou, mas o eco ficou:
“Ser artista é permanecer vulnerável ao mundo — e, ainda assim, cantar.”

 

Leituras e referências para quem quiser mergulhar no tema:

  • A canção no tempo — Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello
  • O som e o sentido — José Miguel Wisnik
  • Estética da Criação Musical — Luiz Tatit
  • A Invenção da Canção Brasileira — José Ramos Tinhorão

 

Kátia Freitas, 30 anos depois, continua sendo o que sempre foi: uma artista que transforma o tempo em música — e o silêncio em luz.

Parte superior do formulário

Parte inferior do formulário

 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Na trilha do mestre, no compasso da memória: João Suassuna e Pedro Salustiano no CCBNB Fortaleza

Capiba, a música que pulsa em nossa memória

Fabíola Liper canta Ângela Rô Rô: quando a voz vira testemunho do indizível